segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Rocinha e Alemão pretendem processar Estado por causa de Teleférico

Moradores das comunidades são contra a construção do modal e querem continuidade das obras do PAC

Estrela de uma novela Global e novo ponto turístico do Rio de Janeiro, o Teleférico do Conjunto das Favelas do Alemão, na Zona Norte da cidade, foi indicado como "carro chefe" das melhorias prometidas pelo governo estadual à comunidade pacificada, como parte integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e recebeu o recurso de R$ 210 milhões investidos pelos governos federal e estadual. Dois anos após a sua inauguração, no dia 7 de julho de 2011, o Teleférico Alemão é alvo de crítica dos moradores e, segundo eles, não atende às necessidades básicas de mobilidade, integração social e melhorias na qualidade de vida, como sugerido no seu projeto original, que teve como inspiração o modelo da cidade colombiana de Medellín. 
A experiência mal sucedida está servindo de exemplo para a comunidade da Rocinha, nazona sul, destinada a ganhar o terceiro modelo do transporte em massa por cabo do Rio. Os representantes do movimento "Rocinha Sem Fronteiras" estão promovendo ações de resistência à implantação do teleférico na comunidade e aliados ao Instituto Raízes em Movimento, do Alemão, vão entrar com representação no Ministério Público do Estado (MP/RJ) contra o governo do Rio, em processos que denunciam a violação dos direitos humanos e não cumprimento de lei federal 10.257, que determina a participação da população em decisões nas obras de intervenção governamental, no caso do Alemão, e pela não execução das obras do Pac 1, na Rocinha.
No Fórum de Mobilidade Urbana realizado pelo Clube dos Engenheiros do Rio de Janeiro, realizado no dia 20 de setembro, foi abordado o tema "PAC e saneamento – Estudos de Casos da Rocinha". O conselheiro do Clube, Alcebíades Fonseca, destacou no seu discurso que, pelo tempo de operação do Teleférico do Alemão, é facilmente observado que esse tipo de modal não é viável para as comunidades cariocas, por não solucionar os problemas de mobilidade da população e por ter seu custo de manutenção muito alto, pois o seu maquinário é importado da França. "Um cadeirante, por exemplo, quando chega à uma das estações, não encontra o acesso especial para o seu embarque. O mesmo aconteceu com os moradores quando estão carregando a suas bolsas com compras", explicou o engenheiro. Como modelo comparativo, Fonseca citou o Plano Inclinado do morro Santa Marta, que segundo ele é o modal mais adequado à Rocinha. "O plano inclinado favorece o acesso de pessoas portadoras de deficiência, permite a retirada de resíduos sólidos e a sua construção é bem mais barata, com uma projeção de implantação que corresponde a 20% apenas do valor total do projeto do Teleférico importado apresentado pelo governo do Rio", disse Fonseca. 
O coordenador do Instituto Raízes em Movimento do Complexo do Alemão, Alan Brum, contou que o Plano Básico de Licitação e de Desenvolvimento Sustentável referentes a sua comunidade foram intensamente discutidos com representantes da Empresa de Obras do Estado do Rio de Janeiro (Emop) e das secretarias estaduais Parques e Jardins e Cultura e Lazer, desde 2008. Na época, foi criado o Comitê de Desenvolvimento da Serra da Misericórdia, composto por 927 membros de instituições da região e por moradores, que apresentaram as suas reclamações visando a melhoria da qualidade de vida na região, para serem incluídas no planejamento de urbanização. O resultado final foi para uma Agenda Propositiva, entregue ao poder público.
"Quando eles comentaram sobre o teleférico, 'de cara' a gente alertou que não ia dar certo, por causa da topografia, ninguém vai subir o morro para embarcar. Opinamos que esse investimento do PAC era fundamental para a implementação do transporte alternativo, a duplicação da via de acesso principal e as ruas secundárias e, prioritariamente, o saneamento básico. Esses são os fatores que realmente traduzem os anseios da comunidade da Rocinha", destacou Alan.
Davison Coutinho (esquerda), da Rocinha e Alan Brum, do Alemão 

Enquanto a implantação do Teleférico do Alemão teve caráter prioritário no governo de Sérgio Cabral (PMDB), a maior parte das obras previstas no PAC ainda estão no papel. Alan contou que a duplicação da rua principal de acesso ao Alemão, a Joaquim Queiroz, teve apenas 300 metros de pavimentação e um novo anúncio do governo promete a complementação da obra, que ainda não tem prazo para recomeçar. "O teleférico é o atrativo turístico e orgulho do governo estadual. Para agradar os olhos dos turistas, eles [governo do Estado] construíram um cinturão social no entorno do Alemão, com um colégio público bonito, UPA, creche e o conjunto habitacional. Mas isso só nos locais por onde os turistas passam. Se você entrar na comunidade, vai encontrar o resultado do desleixo do poder público, a real precariedade que tentamos combater", disse ele.
O transporte alternativo, segundo Alan, continua discriminado pelo governo, apesar de ser o principal meio de deslocamento da comunidade. Outro ponto criticado pelos moradores é o que eles chamam de "Turismo Exótico", que na visão de Alan é um serviço oficial que fortalece o preconceito que sempre existiu em relação as favelas. "O turista embarca na gôndola na Estação Bonsucesso, que fica na parte baixa do morro, passa por cima do Alemão e vai direto para a Estação Palmeiras, onde fica o Mirante com a vista maravilhosa do Rio e toda uma infraestrutura de serviço que teve aprovação do governo como forma de agradar o visitante. Daí, ele desce e pronto, acabou o passeio. Cadê a interação social que o governo disse que haveria entre turista e comunidade? O comércio do Alemão é forte, mas não pode contar com o 'Turismo Exótico', que passa longe dele e não contribui para a economia local", desabafou o coordenador social.
No centro das críticas, o teleférico não corresponde ao desempenho esperado pelo poder público. Com 152 gôndolas com capacidade de transportar até 10 pessoas cada uma, o teleférico foi projetado para ser o transporte principal do Alemão, com previsão de atender 30 mil passageiros por dia, no trajeto de 3,5 quilômetros, desde a entrada do morro até o seu topo, em 16 minutos. No entanto, a demanda diária de moradores que usam o teleférico é de 12 mil, mesmo eles tendo direito a duas passagens gratuitas e ao valor promocional de R$ 1. Para o turista o valor da passagem é de R$ 5. No dia 15 de dezembro de 2012, foi registrado o recorde de passageiros transportados, com mais de 19 mil embarques no sistema, que é integrado à rede ferroviária por meio da Estação Bonsucesso/TIM (ramal Saracuruna). 
As anotações de Alan desde as primeiras atividades do Comitê de Desenvolvimento da Serra da Misericórdia, com as análises de desenvolvimento social e urbanístico do Alemão feitas junto às autoridades do Estado, foram reunidas num dossiê e entregue ao líder do movimento "Rocinha Sem Fronteiras", José Martins de Oliveira. Há alguns meses, as lideranças das duas comunidades estão se encontrando para conhecer os problemas comuns. "Foi possível perceber que são as mesmas precariedades vividas na Rocinha, no Alemão e provavelmente em todas as outras comunidades cariocas", comentou Davison Coutinho, participante do "Rocinha Sem Fronteiras" e membro da Comissão de Moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara. 
Davison visitou o Complexo do Alemão na quinta-feira passada (26/9) e na reunião que teve com Alan Brum, destacou que "os problemas estruturais e sociais dessas regiões são oriundo de um problema maior, que é a falta de participação dos moradores nas decisões das obras de intervenção do governo do Rio, ferindo a lei federal de número 10.257, que exige a inclusão da população nesses processos". Segundo os representantes comunitários, o governo de Sérgio Cabral realiza os encontros oficiais com a população, mas apenas para apresentar os projeto do PAC. "Os moradores reclamam, criticam e oferecem opiniões, porém nada é ouvido, só é feito que o governo quer. Até porque a empresa responsável pelo social do PAC, que deveria acolher as decisões dos moradores é contratada pela concessionaria das obras e fica claro que ela não pode ir contra quem ela é subordinada [poder público]. É uma falsa participação dos moradores nas reuniões que eles coletam assinaturas e fotos e enviam para o Ministério das Cidades, como se as populações das comunidades estivessem de acordo com o que eles propuseram. O teleférico não é prioridade para as comunidades e isso já foi comprovado no Fórum de Mobilidade do Clube de Engenharia, que participamos há pouco tempo. O dinheiro do PAC no Alemão e na Rocinha deveria ser empregado no saneamento básico, já que está comprovado que para cada dólar gasto com saneamento, representa U$ 5 economizados com saúde. Esse valor deveria ser revertido para politicas publicas estruturantes, como mobilidade, transporte, saúde, educação, cultura, assistência social. Todos esses dados constam dos relatórios produzidos pelo governo com as comunidades, mas não seguem para o governo federal", denunciaram os representantes da Rocinha e do Alemão.
Panfletos e cartazes distribuídos na Rocinha alertam para a ineficiência do Teleférico
Líder do "Rocinha sem Fronteiras", José Martins de Oliveira, residente há 47 anos na comunidade, aponta muitas falhas podem ser enumeradas na execução do PAC 1 e 2. Martins considera que o maior engano no projeto do PAC 2 é a construção do teleférico, que mobiliza a maior fatia da verba do plano e não atende as revindicações da população regional. "É um presente de grego", considerou Martins. Ele destacou que as obras do PAC 1 foram discutidas no ano de 2005, dando prioridade ao saneamento básico na Rocinha e seriam desenvolvidas num prazo de 10 anos, através do Plano de Desenvolvimento Social. Nesse projeto, em nenhum momento foi citada a construção do Teleférico. Em 2007 as obras iniciaram, mas foram paralisadas pelo governo estadual em 2010, com mais de 25% do projeto pendente, inclusive o saneamento básico. O PAC 2 prevê a finalização das obras, mas dá prioridade ao Teleférico da Rocinha.
"Vai acontecer com a Rocinha a mesma situação constatada no Alemão, das pessoas não utilizarem o teleférico e ele ser meio de transporte apenas para turistas. Estavam previstas diversas obras, construções foram derrubadas e muito deixou de ser feito. O saneamento, que era a grande reivindicação dos moradores, não chegou até hoje. O caminho certo é discutir com a comunidade o que deve ser feito com as verbas", reclamou ele. Enquanto o governo não vai à comunidade discutir o PAC 2, Martins está convocando os moradores para uma reunião periódica e abordando os principais pontos referentes ao desenvolvimento do projeto na comunidade.
Atualmente, a maior reivindicação dos moradores das duas comunidades é para que o Ministério das Cidades acolha as suas prioridades. "Nós nos unimos para que juntos possamos fortalecer as ações em prol de um bem maior para a população", contaram Alan e Davison. Em parceria com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), presidida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL), Alan Brum vai entrar com representação no Ministério Público do Estado (MP/RJ) e no Tribunal de Contas do Estado (TCE) contra o governo do Rio, exigindo o retorno das obras inacabadas do PAC e a prestação de contas aos moradores de todos os gastos do referentes ao projeto. E no decorrer dessa semana, o governo Sérgio Cabral também deve ganhar mais um processo referente ao PAC. "Nós vamos procurar o Ministério Público do Rio nos próximos dias e vamos entrar com ação pedindo a finalização das obras do PAC 1 na Rocinha. Vamos processar o Estado pela não execução do projeto prometido", anuncio José Martins, em nome do movimento "Rocinha sem Fronteiras". 
Emop garante que Rocinha terá mais investimentos
Segundo a Empresa de Obras do Estado do Rio de Janeiro (Emop), a Rocinha vai receber investimentos federais e estaduais de cerca de R$ 1,6 bilhão para execução de obras de infraestrutura, habitação e reordenamento urbano. "As obras vão priorizar a implantação de sistemas de drenagem, redes de esgoto, água e iluminação, a instalação de redes coletoras de lixo, a abertura de vias e o alargamento das Ruas 1, 2 e da Estrada da Gávea", destaca a nota envida pelo órgão ao Jornal do Brasil.
A nota afirma ainda que o teleférico é uma alternativa proposta à questão de mobilidade urbana, "a fim de que os moradores possam alcançar as partes mais altas da comunidade que estarão integradas a outros sistemas de transporte de massa como o metrô, com estação na parte baixa da Rocinha, e a integração com linhas de apoio ao metrô na parte alta, junto ao bairro da Gávea". De acordo com a Emop, os recentes recursos vão viabilizar a construção de uma creche e unidades habitacionais para famílias realocadas de áreas de risco ou de lugares desapropriados para a execução do projeto, que ainda está fase de elaboração.
O comunicado destaca também que serão realizados pelo menos 15 encontros com a comunidade para a discussão do projeto. "Até o momento já foram realizadas seis reuniões, com a participação total de aproximadamente 1000 moradores. As obras vão priorizar o saneamento, como é o desejo da comunidade, que aprova também a construção do teleférico, com  algumas exceções, é claro, como é natural em uma comunidade com mais de 100 mil habitantes", destaca o texto. A empresa conclui afirmando que a questão da mobilidade na Rocinha contempla também a construção de um plano inclinado, mas não dá maiores detalhes sobre esse projeto.

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